VITÓRIA DE SAMOTHRACE


A VITÓRIA DE SAMOTHRACE

 

A cena é rápida. Surge aos 31 minutos do filme “O Código da Vinci”. Tom Hanks, no personagem do Professor Robert Langdon, atravessa, às carreiras e acompanhado por uma policial francesa, monumentais galerias do Museu do Louvre. Deixando para trás mensagens cifradas descobertas na imortal Mona Lisa de Leonardo, os fugitivos mergulham na escuridão do “Y”  formado pelas escadarias Daru. E ali está ela, no meio de 4 segundos de sombras registradas em filme, onde somente o  olhar atento e treinado do Viajante na História consegue vê-la. Magnífica. Secular. Eterna. A Vitória de Samothrace.

Ela é a estátua alada de uma mulher majestosa e guerreira, posicionada à frente do convés de um navio grego vitorioso em batalha mortal contra o inimigo sírio, por volta de 290 A.C. Esculpida em mármore róseo por um artista desconhecido, de Rhodes, representa a deusa grega Nike, a deusa da Vitória, e é uma das obras primas sobreviventes do período Helênico, quando os gregos conquistaram por completo a arte da representação do corpo humano.

Mesmo danificada, sem os braços e a cabeça, a Vitória de Samothrace encanta. As linhas de seu corpo perfeito são realçadas pelo véu de mármore que reproduz em suas formas o efeito de tecido molhado aderente à pele pelo vento marinho implacável. Quase um toque sobrenatural.

A estátua foi descoberta em 1863, pelo arqueólogo francês Charles Champoiseau, na pequena ilha de Samothrace (Samothraki, em grego), no Mar Egeu. Habitada por cerca de 2.300 almas, a ilha sedia ruínas do Santuário dos Grandes Deuses, construído nos anos 800 A.C. para cerimônias religiosas dos períodos pré-Helênico e Helênico. E foi no Santuário que Champoiseau encontrou a estátua da deusa da Vitória, aos pedaços. Restaurada em Paris, no Louvre, domina as escadarias Daru desde 1884. Especula-se que seus braços estariam levantados e abertos, reproduzindo o gesto de um guerreiro vitorioso. Em sua base, o mármore cinza em forma de proa de uma embarcação de guerra traz a inscrição “Rhodios”, indicativa da origem do escultor. Provavelmente era parte de conjunto religioso formado por um altar e um monumento naval. A lenda diz que a deusa teria descido dos céus sobre o navio do comandante para participar da gloriosa celebração da frota grega.

Em 1948 e em 1950, as mãos da Vitória de Samothrace foram descobertas em novas escavações no Santuário da ilha. Estão no Louvre, em caixa de vidro ladeando a estátua.

A Vitória de Samothrace é um troféu simbólico do domínio naval grego nos séculos anteriores à formação do Império Romano. Grandes batalhas foram travadas no mares da Antigüidade, principalmente contra as poderosas e colossais esquadras persas. No mais famoso desses combates, na Batalha de Salamis, o Rei Xerxes, refastelado em um trono de ouro colocado no alto de um penhasco, teve oportunidade de apreciar, em estado apoplético, 370 navios gregos comandados pelo almirante ateniense Temístocles, destruírem a incrível armada persa de 1.000 embarcações e 200.000 homens.

Os mistérios de Samothrace têm inspirado a reprodução de ícones pelo mundo afora. Ela pode ser vista no capô de Sua Excelência Automotiva, o Rolls Royce, ou na saudosa Taça Jules Rimet, a Copa do Mundo conquistada definitivamente pelo Brasil tricampeão em 1970 e derretida pouco depois por ratazanas de cartola.

Minha relação com a Vitória de Samothrace começou há muitos anos quando, quase ainda  um menino, fui ao Museu do Louvre pela primeira vez. Encabulado, a ela não me declarei. Depois dessa ocasião e até recentemente, estive com ela em mais seis visitas, sempre sob um clima de respeitosa paquera. Se o passar dos anos foi esculpindo as marcas da idade em mim, nela aconteceu o contrário. Mesmo sem mostrar a cabeça, ela está cada vez mais linda.

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12 respostas para VITÓRIA DE SAMOTHRACE

  1. Gaita disse:

    Tiozinho Astromar
    Eu também tenho minhas lembranças de "Em Algum Lugar no Passado".
    Adoro suas histórias, pois muitas vezes me levam para lá.
    Por favor, não pare.

  2. Top Gun disse:

    Caro Astromar
    Já falei uma vez mas não custa repetir. Seu site está espetacular! Eu não gosto do formato de tripa dos blogs, mas acho que isso escapa ao seu controle. Suas narrativas são ótimas, muito bem escritas e ilustradas e, às vezes, cheias de emoção. É um prazer lê-las. Parabéns!Abraços
    Top Gun

  3. Argonauta disse:

    Prezado professor
    Como fantasma marinho grego, vi as glórias navais helênicas ressurgirem nas minhas lembranças com sua homenagem à Vitória de Samothrace.
    Emoção dupla : pelo romance e pelas batalhas.
    A começar pelo seu e-mail avisando a entrada no ar de mais um épico. Obrigado, Mestre.
    "Caros amigos. Minha versão pessoal de “Em Algum Lugar do Passado” passa pelo Museu do Louvre.É lá que reside, há mais de 100 anos, uma princesa da Antigüidade. Encantadora de corações.Convido vocês a conhecerem mais sobre ela.Tá lá no blog."

  4. Noblesse Oblige disse:

    Cher Professeur,
    Ces français sont vraiment forts; pratiquement les meilleurs en tout ce qui concerne l\’esthétique, la classe et l\’élégance. Ils ont su placer la merveilleuse Victoire de Samothrace en haut des escaliers Daru, ou alors la Gioconda, au Louvre, d\’une manière grandiose. Par contre, qu\’est qu\’ils sont gonflés, macho et casse-pieds… je parie qu\’ils ne vont pas choisir une PrésidentE de la République… Le résultat du premier tour nous le dira dans quelques minutes…
    Je t\’embrasse très fort,
    NO

  5. Faustinho disse:

    Meu querido professor, de tantas festas…
    Quando havia me falado sobre a Vitória de Samothrace no sábado, confesso que fiquei na dúvida sobre qual estátua era. Agora que vi as fotos senti um calafrio pois esta é uma das obras que mais me chamam a atenção quando vou ao Louvre. Não lembrava o nome dela. Mas lembro exatamente o que senti na primeira vez que a vi. É algo fora dos limites e sensações humanas. Mais que Mona Lisa, mais que Venus de Milo.
    Alguns textos que você escreve me provocam lágrimas, este me provocou calafrios. Gostosos calafrios.
    abraços

  6. Luz de Pedra disse:

    Professor, você me encantou nesse texto.
    "Mesmo danificada, sem os braços e a cabeça, a Vitória de Samothrace encanta. As linhas de seu corpo perfeito são realçadas pelo véu de mármore que reproduz em suas formas o efeito de tecido molhado aderente à pele pelo vento marinho implacável. Quase um toque sobrenatural.
    Minha relação com a Vitória de Samothrace começou há muitos anos quando, quase ainda  um menino, fui ao Museu do Louvre pela primeira vez. Encabulado, a ela não me declarei. Depois dessa ocasião e até recentemente, estive com ela em mais seis visitas, sempre sob um clima de respeitosa paquera. Se o passar dos anos foi esculpindo as marcas da idade em mim, nela aconteceu o contrário. Mesmo sem mostrar a cabeça, ela está cada vez mais linda.

  7. Capitão Raimundo Nonato disse:

    Mestre dos Mestres
    Nóis aqui no cangaço tá meio por fora dessas história de batalha de navio de pau e de deusa de marca de tênis que desce dos céu pra celebrar uma fulerage no mar que os greciano aprontaram nos siriano. Essas história de antes de Nosso Sinhô Jesus Cristo a gente num conhecemo direitio. Nóis carece de menas sabedoria desses causo antigo. Pra eu e pros cabra, navio de pau ou é canoa ou é jangada. Mas a turma gostou desse mulherão de asa. Cada baita coxão e peitão. Possa ser que é por isso que os moço por aí chama gostosona de avião.
    A bença, meu professor.
    Capitão Raimundo Nonato

  8. Fondue com Forró disse:

    Capitão Raimundo Nonato tá muito muito bom dessa vez. Falando dos peitões e das coxas, tem gente aqui nessa minha terra que pensa que conseguiu uma vitória e vai querer dançar forró com ela.
    Fondue com Forró 

  9. Patrícia disse:

    Só agora pude ler, com calma e atenção, esta entrada. Sua maneira de contar uma história é bonita e fluida, envolve o leitor. Fico ainda mais feliz por ler um post dedicado à nossa Samothrace – se é q posso chamá-la assim 🙂
    As imagens são magníficas, Professor.
    Serás, como sempre o é em tudo, brilhante no seu trabalho de Tradutor.
    Beijos e minha mais sincera e absoluta admiração.

  10. Mirian Seraphim disse:

    Prezado prof. Astromar,
    Não sou freqüentadora de blogs, mas, vez por outra, topo com um, pesquisando sobre algum assunto. Hoje dei uma olhada rápida no seu, mas fiquei muito bem impressionada. Pena eu não ter tempo para ler tudo e desfrutar das belas fotos.
    Faço doutorado em História da Arte, pela Unicamp, sob a orientação do prof. Jorge Coli, e meu projeto de pesquisa é a catalogação das pinturas a óleo de Eliseu Visconti (1866-1944).
    Cheguei até o seu blog, pesquisando sobre o título de uma obra de Visconti, Vitória de Samothrace. Essa pintura é aquela cuja cena mais me intriga. Ela retrata a família do pintor: sua esposa e 3 filhos, diante da aparição da Vitória, que emerge de uma tela em branco. É uma pintura de grande dimensões (190 x 118 cm) pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes (RJ), mas infelizmente, dorme esquecida na Reserva Técnica, e quase nunca é exposta, apesar de ser esplêndida!
    Pelo seu texto – muito instrutivo e cativante, pelo tom pessoal – percebi que, apesar de apaixonado pela estátua grega, "adotada" pelos franceses, o senhor não conhece a "nossa" Vitória de Samothrace, essa pintura de Visconti. Mas isso em nada me espanta, pela situação em que ela vive. Apesar de ter sido pintada em Paris, ela pode ser considerada nossa, pois o pintor, nascido na Itália, foi naturalizado brasileiro em 1889, e sempre amou o Brasil.
    Apesar desta pintura não ser datada, foi criada, com certeza, entre 1916 a 1920, durante o último período em que Visconti morou na França com a família. Eu considero a data mais provável, por volta de 1918, pois, pelo tema apresentado, se refere à I Guerra Mundial (aliás, é uma das apenas duas telas deste pintor que faz alguma alusão à guerra).
    Mando-lhe, então, uma imagem da pintura – foto que fiz na reserva técnica do museu, recentemente -, e ficaria muito feliz se pudesse me fazer um comentário sobre sua cena.
    Se quiser mais informações sobre o pintor, poderá encontrá-las, assim como muitas outras imagens, em seu site oficial: http://www.eliseuvisconti.com.br.
    Grata pela atenção,
    Mirian N. Seraphim
    http://lattes.cnpq.br/5916123796297991

     Vitoria de Samotrace n131.JPG

  11. Professor Astromar disse:

    Olá, Mirian.
    1.Primeiramente, muito obrigado por suas palavras sobre meu blog, "Viagens na História". Nessa altura da vida, ele é um dos meus xodós.
    2.À medida que lia seu comentário, ia ficando impressionado com as coincidências:
    a.Fui professor da Unicamp, na graduação em Matemática, especialização Ciência da Computação. Estive lá de 1981 a 1982.
    b.Morei 9 anos em Campinas, passagem dos meus 27 anos na IBM.
    c.Não conheço Eliseu Visconti. Mas conheci seus netos Tobias Eliseu Visconti e Alexandre Eliseu Visconti. Foram meus colegas de Colégio Santo Inacio, no Rio de Janeiro.
    d.Passeando pelo site, vi lugares da minha infância : Ladeira dos Tabajaras, Copacabana, Teresópolis. Uma beleza.
    d.Não sou qualificado para opinar sobre arte. Sou historiador amador. Leio sobre eventos/pessoas/lugares/obras, vejo filmes e vou lá fazer uma visita, sempre focando algo fora do turismo de massa. Esse é o DNA do meu blog. Por isso escrevi sobre a estátua Vitória de Samothrace. Meus quadros são gravuras, óleos, aquarelas, etc. sobre temas históricos, dos lugares onde passei.
    e.Atendendo a seu pedido, aí vai uma opinião leiga. Eliseu Visconti me lembra, em certos momentos, Goya. Em outros, Rembrant e, na sua fase madura, um impressionista. Trabalho maravilhoso. Quanto a seu quadro de Samothrace, quase um fantasma na sala de almoço, talvez ele tenha procurado retratar o mistério que cerca a estátua. Onde foi feita ? Quando e por que ? Quem foi o escultor (parece que há um nome em sua base, mas nada se sabe sore ele)? O que aconteceu com a cabeça e os braços ? Impressionante a sua técnica de representar o diáfano.
    f.Parabéns pela escolha do tema de sua tese. 
     Professor Astromar

  12. Roger disse:

    No parque central de Belo Horizonte existe uma réplica perfeita, me encantei ao vê-la e ainda mais agora,sabendo da historia…

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